TROPICALISMOS LUSO E OUTRAS NATUREZAS MORTAS / Rita GT


Tropicalismos Luso e outras
Naturezas Mortas.
A RitaGT vai ao PêSSEGOpráSEMANAde 18 de Maio a 09 de Junho de 2007.
Inaugura dia 18 de Maio às 22h.








Sentada em frente ao computador, depois de, pela primeira vez, ter tomado a decisão de começar a escrever um texto que apenas existe em formato digital, sem rascunhos prévios em sebentas ou cadernos de notas, preenchem-me sentimentos de excitação e culpa por ter adiado esta tarefa tanto tempo. Mas talvez apenas agora é que realmente faz sentido para mim escrever o que será o meu primeiro statement!
Be loose. Be happy. Be real. Alguns dos conselhos que retirei de um texto encontrado na net: writing your artist's statement. É estranho pensar em como na minha geração, a geração da televisão, da massificação dos computadores, da Internet se formam as opiniões e os conceitos, as ideais e os valores. Vivendo numa era em que os opinion-makers nos invadem por todos os lados, faz-me pensar que tudo o que acreditamos é resultado de uma mescla de opiniões formadas por outros, para nós, para mim.
Como é que isso se reflecte no processo artístico? E quais a vantagens e desvantagens dessa assemblage?
O meu processo artístico e criativo é claramente reflexo dessa assemblage, não sendo isso vantajoso ou desvantajoso, é apenas uma condição, um paradigma. Paradigma esse que reúno ou tento reunir no trabalho que produzo: a História de Arte, a minha formação Académica, os artistas que conheço, os trabalhos que admiro, as fotografias documentativas das performances da década de 70 que nunca poderei ver, os autores que li e leio… eu sou tudo isto e fui programada desta forma! (risos)
Mais do que em evolução ou progresso, acredito que o território artístico opera por aprofundamento e por radicalização, por deslocação, insistência ou disrupção das regras, conforme as circunstâncias criativas ou respectivos contextos.
Neste momento passam-me inúmeros pensamentos e memórias que vêm ao de cima, na cabeça. Reflicto sobre o texto, de uma maneira formal e percebo que está a tornar-se uma assemblage! É um processo de pensamento e acção que me é intrínseco e com certeza reflecte subtilmente a estrutura de escrita de pensadores estruturalistas como também de Peggy Phelan, que costuma falar, escrevendo, com ela própria de uma maneira tão deliciosamente informal.
REVOLUÇÃO pela REVELAÇÃO.
O que me atrai na fotografia e mesmo na performance é a possibilidade de seleccionar um instante como se fosse um sempre e anular assim a temporalidade, transformando-a em zero.
Um tempo fora do tempo.
Interessa-me explorar essa capacidade de conectar tempos distantes com o presente, rompendo com uma representação linear do tempo. Evocar um universo clássico, mitológico ou épico no mesmo tempo do universo contemporâneo, tecnológico que me envolve.
Representar o tempo? A representação do tempo nalguns temas pictóricos, como as naturezas mortas, desempenha um papel fundamental. Este género pictórico e fotográfico era denominado inicialmente, por meados do séc.XVII, por termos que não falavam nada de “natureza” nem de “morta”.
Termos como “Vie coyce” em flamengo, “stillstehende sache” em alemão ou “oggetti di fema” em italiano foram substituídos por outros que se tornariam definitivos, como o holandes “still-leven”, o alemão “still-leben” e o inglês “still-life”. Apenas em Itália, França e Portugal se diz “natura morta”, “nature morte”, “natureza morta”. Mas de facto não se trata de “objectos imóveis” , mas antes de “coisas que ficaram paradas num instante. A vida parada num instante. Por outras palavras, não estaremos perante objectos imóveis ou estáticos, se essas coisas puderem ser substituídas pelo termo “vida” que, em si mesma, é movimento. Imóvel é, antes, o instante, o tempo da representação.
A morte, tanto a palavra como o acontecimento, é uma fotografia, uma fotografia que se fotografa- uma fotografia que se produz como suspensão da realidade e seus referentes. A fotografia, tal com a memória, é o cadáver de uma experiência.
Eu a fotografia, a fronteira entre a vida e a morte, eu a fotografia sou morte!
Não obstante, falando como morte, a fotografia não pode ser morte nem ser ela mesma: à vez, viva e morta, abre a possibilidade da nossa existência no tempo.
REFLEXÃO versus INTERVENÇÃO.
Este binómio caracteriza a essência da minha prática artística e sobre este princípio gostaria de marcar a minha subcultura.
Na minha subcultura valorizo um trabalho que se pode considerar relativamente autónomo, onde tento traçar uma estratégica de trabalho como artista independente, onde me represento a mim mesma, uso os meus métodos de produção, faço acções autónomas em feiras de arte e bienais questionando assim o meu papel de jovem artista e reflectindo sobre o papel de um jovem artista na sociedade. Na minha subcultura tenciono subverter o conformismo instalado no processo artístico que passa por acabar a escola, arranjar uma galeria e trabalhar nesse e para esse subsistema. Acredito que o meu papel como artista em inicio de profissão passa por reverter essas tendências, essa inércia intelectual, que se reflecte na prática artistica portuguesa da minha geração. Sim, um projecto de prática artística ambicioso, até utópico, mas sobretudo consciente: falo da minha subcultura. Agrada-me o facto de saber que faço parte de um determinado sistema social, politico, cultural, mas que tenho liberdade de o por em causa, de o satirizar e questionar porque eu sou esse sistema, sou parte integrante desse sistema.
Pergunto-me, existe um papel para a arte face à desilusão política actual? Na nossa era de contestações políticas, não somente as qualidades de democracia liberal estão em jogo, mas toda a estrutura que cria uma possibilidade de autonomia da arte.
Tal como Andrea Fraser diz no seu statement: I am an artist. As an artist I have the double role of engaging in the specialized production of bourgeois domestic culture on one hand and, on the other, the relatively autonomous reproduction of my own professional subculture.
CRIATIVIDADE versus INTEGRIDADE.

RitaGT, Maio, 2007